As fanfics (literatura de fã) não nasceram no mundo digital, mas foi nessa nova configuração que tomaram forma e viraram um grande fenômeno. São nas plataformas online que os autores se lançam, crescem e, agora, veem seus trabalhos alçando novos voos e tornando-se publicados por editoras tradicionais.
Isso porque as editoras não querem ficar para trás e, de forma geral, como o objetivo é criar uma conexão entre a marca e o público-alvo, trazer autores conectados diretamente com a fanbase (base de fãs) e que saibam acompanhar o movimento dos novos tempos é interessante para elas. “A linguagem da fanfic é a linguagem que conversa diretamente com o público jovem”, afirma Clara Alves, autora que iniciou com fanfics e já possui romances publicados, como Conectadas (2019).
Clara comenta que essa conexão é o grande diferencial que um autor de fanfic — diretamente conectado com seu público — tem em relação aos autores tradicionais. Como dentro da web o conteúdo se constrói de maneira horizontal, a base do diálogo, da interação e troca, os profissionais da literatura de fãs são grandes potenciais a emplacarem títulos que vendem bastante.
Clara Alves segurando a bandeira do orgulho LGBTQIAP+. Foto: Arquivo pessoal de Clara Alves
Outro aspecto positivo da proximidade que as fanfics possuem de seu público é que servem aos jovens como porta de entrada para o mundo literário. Mariana Rodrigues, jornalista e produtora da reportagem "Fanfiqueiras: a representatividade feminina na autoria de fanfics”, afirma que o leitor que inicia por meio de um gênero que dialoga com quem ele é, tende a ter mais interesse pela leitura ao longo de sua vida. “Tanto a fanfic, como a literatura infantojuvenil, impactam no tipo de leitura que a pessoa vai se interessar e no quanto vai gostar (de ler)”.
Fernanda Budag, coordenadora pós lato sensu em Produção Editorial da Faculdade Paulus de Comunicação, validou essa declaração do ponto de vista técnico. Para ajudar a compreender tamanha conexão entre autor e interlocutores, Fernanda citou os estudos de John Fiske, filósofo e historiador norte-americano, que definiu a atividade do fã em três esferas (semiótica, enunciativa e textual). “A primeira fase é da produção de sentido para si próprio; a segunda, da interação social a partir do que se lê ou consome; e, por último vem a produção de material, em que, o que o fã está buscando são formas de mostrar sua identidade. Aí entram as fanfics, como forma de produção de sentido interpessoal”, explica a pesquisadora.
Uma das dúvidas acerca das fanfics que se tornam publicadas é o que muda a partir da ação. Ana Maria Mendes, que assina como Arquelana, autora da noveleta Realidade Paralela e dos livros Aparentemente Noivos e Querida Penelope, pontua que a principal diferença ao se tratar da publicação em editoras tradicionais, é que o autor perde o controle de quase todos os processos que antes possuía autoridade total. “Você sai de uma posição em que precisava decidir e fazer tudo sozinha, para uma na qual não pode fazer nada sem que outras pessoas decidam por e com você”, comenta sobre o processo.
A autora completa dizendo que além das decisões, entram novos prazos e compromissos com a escrita, em que cada pedaço da redação, revisão e edição, levam bem mais tempo. Além disso, o envolvimento com a obra acaba sendo menor, “Eu que monto o briefing, mas não estou lá acompanhando 100% do tempo”.
Da parte técnica, também entram na conta uma revisão mais rigorosa com as normas da língua e a mudança dos personagens, geralmente vividos por figuras já existentes dentro das fics, por novas criações para publicação. “Sabemos que os autores de fanfic normalmente escrevem de maneira livre, sem pensar nos aspectos mais profissionais do livro”, diz Carla Alves. Mas, a autora deixa claro que escrita fluida não significa qualidade reduzida, ou que as histórias não tenham potencial — muito pelo contrário.
Autora Arquelana Foto: Arquivo pessoal de Ana Maria Mendes, que assina como Arquelana
Tornar-se publicado é um grande marco para o autor de fanfics. Mas dentro da web, a diversidade de gêneros ainda é maior e pode percorrer diversos conteúdos e formatos (aspectos que ajudam na sua popularidade e alcance para diversos gostos).
A escolha desses formatos se relaciona tanto à escrita do autor como à plataforma em que a obra será publicada, principalmente pela questão do tamanho. De acordo com o site Liga dos Betas, a categorização destas obras geralmente ocorre como:
Quanto à forma, são encontradas:
Além disso, como dito anteriormente, uma característica própria da internet, e muito querida pelos leitores e autores de fanfic, é a interatividade possível dentro das produções por meio dos comentários. Tal ferramenta traz às fanfictions a qualidade de “obra viva”, capazes de dialogar com o público e portanto, veicular diferentes vozes, representações e necessidades.
A jornalista Mariana Rodrigues comenta que pelo contato que teve com autoras de fanfic, a devolutiva das obras orienta no rumo das histórias, sugestão de personagens e até no aperfeiçoamento da escrita, pontos positivos tanto pelo aspecto mercadológico quanto pelo retrato diverso que essas obras possuem.